terça-feira, 21 de maio de 2013

ANÁLISE LITERÁRIA

A PEDRA É O CAMINHO. O CAMINHO É A PEDRA. 

Brevíssima análise do poema "De pedras e ganhos", de Wender Montenegro.


Por Waldo Motta*



§§§


DE PEDRAS E GANHOS


Me dá uma pedra, Senhor,
onde eu possa recostar o sonho.
Uma pedra de mó que me sirva de âncora;
uma pedra só lâmina
pra retirar escamas do remorso,
mais que isso, vísceras.
Pedras-de-lei pra anistiar ofensas
e imprimir perdões.
Dá-me a alegria de um seixo leve:
quero das margens vê-lo milagrar
passos de dança sobre o chão das águas.
Uma pedra-alimento que seja,
dessas que as rolas vem colher aos bandos
na hora da sesta...
Minha pedra é caminho, Senhor,
e eu quero uma pedra-canção!


§§§


Diálogo evidente com o poema de Drummond ("No meio do caminho tinha uma pedra"), possivelmente já a partir do título, e obviamente no penúltimo verso ("Minha pedra é caminho, Senhor"). Houve quem dissesse, li algures, que a "pedra" de Drummond seria um disfarce anagramático para "perda", a perda de um filho.

Mas o poema começa mesmo com uma alusão a um errante Jacob, a quem um sonho revela uma pedra que é a própria casa de Deus (ver Gênesis). Ao dormir, Jacob tomara uma pedra por travesseiro. Parece-me que há uma conexão simbólica entre esse Jacob peregrino, essa pedra (que reaparece transfigurada em monte santo, colina da justiça, rocha viva, montanha sagrada, em outras passagens bíblicas) e o nome Wender Montenegro.

Seu poema, que dialoga com fontes bíblicas, Cabral e Drummond, apresenta-se, a meu ver, como palinódia, modo de intertextualidade (que conheci através de Affonso Romano De Sant'anna), em que um poeta rediz, desdiz, contradiz o que ele mesmo ou algum outro poeta disse.

Palinódia é uma forma superior de intertextualidade, ou diálogo literário, a meu ver. Dignifica o interlocutor, e sua obra, mas o supera. É melhor que a paráfrase, que apenas continua, segue, fiel um certo estilo de outro autor, ou a paródia, que critica, zomba, rebaixa o texto parodiado.

Isso tem muito a ver com o make-it-new poundiano. Ou não? (Gente, não pensem que sou poundiano. Sequer li as suas obras, exceto aquele maravilhoso ABC da literatura, que todo poeta deveria adotar e seguir.) Percebo uma atitude de ruptura criativa da tradição nesta sua palinódia, em que você parece querer libertar-se da chamada angústia da influência (Harold Bloom).

Para atingir o seu fim, o poeta se vale de paradoxos, esvaziando o sentido negativo de metáforas e imagens gastas, profanas e sagradas, cujos significados ou chaves se perderam, e atribuindo-lhes novas funções semânticas e espirituais. O poeta inverte funções e significados negativos, de expressões e imagens, mormente bíblicas, associadas a castigo, opressão, e lhes dá uma função libertária, messiânica. Nesse particular, somos bem parecidos.

É um poema afirmativo, assertivo, conceitual, logopaico, que exala fé, esperança, certeza. Isso é poíesis da melhor qualidade. Ou seja: inventar, criar, construir novas realidades abstratas, mentais, conceituais e concretas, históricas, sociais.

Parabéns, Wender Montenegro!


§§§


* Waldo Motta é poeta, ator-performer, numerólogo, místico. Dentre suas obras mais recentes estão: Bundo e outros poemas (Unicamp, 1996), Recanto (Ímã, 2002) e Transpaixão (Edufes, 2009, 2ª ed.).
A SABEDORIA INDÍGENA E OS MISTÉRIOS DO CORPO


§§§



§§§




sábado, 11 de maio de 2013



EU VENCI O DRAGÃO FAMIGERADO


Em muitas culturas, existe o mito de algum bicho medonho que guarda alguma coisa muito preciosa: a solução de algum problema muito grave, a cura miraculosa, a salvação, a eterna juventude, a imortalidade e uma lista enorme de poderes extraordinários.

Esse bicho, que vive na transamazônica floresta de símbolos, é o flagelo de incontáveis gerações de tolos e ingênuos.

Nas culturas judaica e cristã, encontra-se o mais astuto dos animais, a serpente do paraíso, que se revela depois como a besta apocalíptica.

Confiante no augúrio de meu nome, ajudado por algum Oxossi, embrenhei em selvas de letras, números, símbolos e códigos, e aqui ofereço uma das tantas presas de minhas caçadas.

(Waldo Motta)




domingo, 28 de abril de 2013



EXERCÍCIOS BÉLICOS WALDIVINAIS

(preparação para a guerra santa)


WALDIES IRAE


SARAIWALDAS
VENDAWALDOS
WALDILÚVIOS

TERREMOTTAS
MAREMOTTAS
TSUNAMOTTAS

WALDEUS
WALDIABO

SALWALDOR
MALWALDO

(20.01.2012-20.04.2013)



§§§



DIES IRAE


SARAIWALDAS
VENDAWALDOS
WALDILÚVIOS
MAREMOTTAS
TERREMOTTAS
WALDEUS
WALDIABO
SALWALDOR
MALWALDO

(20.01.2012)

POESIA: MANDRACA, ORÁCULO, EBÓ, MAGIA


Além de curas presenciais ou à distância, feitas com simples afirmações positivas, enfáticas, imperativas, já sei que posso fazer chuva ou parar de chover, embora ainda não tenha me dedicado a investigar e aperfeiçoar o dom. Geralmente, sinto-me compelido a atuar apenas quando a chuva incomoda muito e causa estragos. 

Algumas vezes, treinei com o vento, mas sem muito sucesso aparente. Houve dias em que obtive ótimos resultados; e alguns em que não fui obedecido pelas entidades do ar, que estão entre as mais rebeldes. Preciso exercitar mais. Sou um mago relapso; confio muito na providência do meu anjo.

Contudo, desde o início de 2009, vez por outra, recito alguns versos, que garatujei mas não me preocupei em burilar, aperfeiçoar, para baixar o calor e amainar o clima na Terra, invocando brisas, ventos refrescantes.

Agora, leio a notícia abaixo. Não posso garantir, mas não é impossível que minhas providências mágicas tenham surtido o efeito desejado.

http://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/ciencia/2013/04/16/desaceleracao-do-aquecimento-global-intriga-cientistas.htm

Aqui, versos de poemas ainda não definidos, works in progress, feitos com a intenção de aplacar a fúria da natureza e criar um novo tempo, uma nova realidade:

Haja frescura em todo o planeta!
Haja frescor na terra inteira, ordeno!
Refrigerem a terra, ventos brandos,
brisas leves, aragens refrescantes!

(13.12.2010)

Encaro o Sol e ordeno:
meu bem, abaixe a crista!

(26.01.2009)

Que o meu amável frescor
arrefeça o calor
e a minha gaia frescura
esfrie a alta quentura
e baixe a temperatura
e aplaque a grande fúria
da maltratada Natura!

(26.01.2009-17.04.2013)

sexta-feira, 19 de abril de 2013


POÉTICA


(Texto extraído de "Arte Culinária: do Abaporu à Bicha Papona", que sairá em breve)

Poetas não são apenas fazedores de versos, mas sobretudo criadores de novas realidades abstratas e concretas, pessoais e sociais. A poesia é a mãe de todas as artes, ciências e religiões, filhas ingratas. Pode ajudar a resolver os enguiços, impasses, aporias, quiprocós criados pelas filhotas irresponsáveis.

Logopeia: renovação, inovação de ideias, temas, abordagens, perspectivas; reflexão contra a esclerose, a poesia oca e boboca, o torpor, a modorra; a anorexia temática, a anemia espiritual, a mornidão apocalíptica. Leitores não se interessam por ideias e obras que pouco ou nada oferecem (Pound).

Destoar do panorama melancólico: gorjeios maçantes, subjetividade rasa; bebuns de estesias nos botecos e igrejinhas; noviços do sublime, devotos da musa automática & psicodélica, sereias desafinadas, parcas porcas, aporia, entropia.

Diálogo intertextual, intercultural. A poesia é um diálogo entre autores, e destes com os leitores. Paródia: debochar, avacalhar. Palinódia: desdizer, redizer; crítica e reformulação de ideias.

Poeta: vate, profeta, mago. Poesia: magia, vaticínio, profecia. Poesia: arte, ciência, religião. Poesia: revelação, criação.

Boi na frente, carro atrás: verdade e beleza; ética e estética; conteúdo e forma.

Poiesis: autopoiesis, metapoiesis, mitopoiesis.

Valorizar as formas simples, tradições populares, lendas, mitos.

Reabertura da agenda modernista (expressão de Raul Antelo): antropofagia, linguagem coloquial, temas nacionais, humor. A prova dos nove é a alegria, como Oswald dizia e repetem os Waldos. Já disse por aí, quando era Valdo: espero que o mundo acabe em gargalhadas – dos que restarem.

A crítica é mais eficaz com humor, ironia. Ridendo castigat mores.

Malandragem waldivina, utilizo várias máscaras e o burlesco em minha catequese, para seduzir e converter racionalistas selvagens. Iumna Maria Simon, no ensaio Revelação e Desencanto, já havia notado em minha poesia, particularmente no livro Bundo e outros poemas, essa relação entre sagrado e comédia, a ambivalência do profeta que se faz arlequim.

Waldo Motta

quarta-feira, 3 de abril de 2013



POEMAS INÉDITOS 
- antigos e recentes -


POESIA I

AIS
PIOS
E ÓPIOS
-- SÓ ISSO?

§§§

POESIA II 


AIS
PIOS
ÓPIOS
-- E SÓIS!

§§§

POEMAGIA

NÃO DESCREVER ESTA REALIDADE
MAS ESCREVER OUTRA REALIDADE

§§§

AUTOPOIESIS

A palavra me escreve

§§§

ARTIFÍCIOS

Artista é que nem pavão
e os bichos da natureza:
artimanhas da beleza
são truques de sedução.

§§§

EFEITO SECRETO 


Um poema age no mundo,
mesmo que ninguém o leia.
Atua em segredo e fundo, 
tudo enreda em sua teia.

§§§

POIESIS   

MITOPOIESIS
METAPOIESIS
AUTOPOIESIS

 (2012) 

§§§

SENHA

hora propícia

porta do fundo

chave na mão

(02.01.2012)

§§§

AOS PÉS DA COBRA GRANDE

Iconha ou Jacaraípe?, hesita Drida,

mais para dríade desencantada, este sábado,

neste bosque de solidão, Jardim da Penha.

Iconha ou Jacaraípe? Que importa aonde ir?

Sortearemos a sorte da própria sorte!

Recorramos ao oráculo, mas aperta um, primeiro,

e tratemos de secar este litro de conhaque.

A sorte há de sortear-se por meio de nossas mãos,

nossos pés volitivos dançarão roteiros ébrios,

regidos com rigor pela música das esferas.

Que importa aonde ir este final de semana?

Que importa aonde ir em qualquer tempolugar?

Que importa aonde ir? Vamos beber e fumar!

Ouroboros sempre há de morder a própria cauda,

ciclo do tempo, círculo fechado, eterno circo.

Assim ou assado seja, Ará Mbói! Arô Moboi!


(10.09.1986)

§§§

PEGAÇÃO SAGRADA

Põe tua mão aqui debaixo
de minha coxa, onde Abrahão
pediu que um servo o tocasse,
em nome do Deus dos deuses,
Senhor dos Céus e da Terra,
onde o anjo do Senhor tocou
o relutante Jacob, que assim
se transformou em Israel,
que lembrou da sagrada aliança
em seu leito de morte, onde pediu
ao mais amado filho que o tocasse
no mesmo lugar sagrado e consagrado.

(30.07.2009)

§§§

 SENHA

porta do fundo
hora propícia
chave na mão

(02.01.2012)

§§§

REPENSANDO MALLARMÉ

Não li todos os livros, mas já sei

que a carne é alegre, e o espírito

tem sido um tolo e desastrado rei

que nem sequer conhece o seu palácio.

Fugir, fugir, para onde? Nem as aves 

são livres neste mundo; eu não irei

para lugar nenhum, deixem-me aqui. 

Não há por que fugir, e nem de quê. 

O jardim que anelo está em mim,

nesta ilha central, e o mar é o amor. 

.......................................................


(2012)

§§§

POESIA: REVELAÇÃO 

Tenho falado muito de poesia como construção, criação de realidades, pessoais e sociais, históricas, e não apenas poemas, objetos estéticos. Insisto numa perspectiva mágica, uma ação criativa e transformadora da vida e seus impasses. Poesia: arquitetura, engenharia; criação e transformação da história. 

Enfim, a poesia como um processo. E também produto. Mas sempre um fazer, uma ação ou realização humana, via palavra (e outros códigos, por que não?).

Entretanto, quase nada falo do outro lado: a revelação.

Sem negar o quanto possa ter de místico, é preciso entender que a revelação não precisa necessariamente ser de coisas, fatos ou verdades de outro mundo, fora ou longe do nosso. Conhecemos tão pouco da realidade dada, herdada, ao alcance de nossos sentidos, tão limitados e confusos.

Existe muita mistificação em torno do fenômeno da poesia, como se a inspiração fosse algum recado de outro mundo. Pode até ser, em casos raríssimos, mas ninguém que eu saiba está disposto a adotar a poesia como religião, exceto talvez este que vos fala. Inspiração, para mim, não precisa ser mais que percepção, acesso - intuitivo, acidental ou metódico - a informações guardadas na memória da humanidade.

domingo, 13 de janeiro de 2013


POIESIS: A MAGIA DE WALDO MOTTA


Estou sempre martelando que arte é magia. Que poiesis é construir novas realidades sociais, e não apenas esses objetos estéticos que chamamos poemas. Mas não basta pregar; por isso, dou exemplo.

O poema ACEILOPTU-EUCALIPTO é um protesto contra a monocultura de eucalipto. Nele se harmonizam ética e estética, engajamento e arte, política e espiritualidade.

É um poema anagramático, escrito com apenas 9 letras, as letras da palavra EUCALIPTO.

Eu acompanhava a luta de índios e quilombolas pela recuperação de suas terras, no ES, e me afligia por não saber como ajudar nessa luta.

Numa madrugada insone, repensando a situação, devo ter sido visitado pelo espírito Eucalyptus (grego: boa cobertura, bem coberto), que se descobriu para mim, e me revelou os seus segredos.

Reza a lenda que o anagrama é uma revelação, feita por algum espírito ou anjo ou divindade a um determinado poeta.

A técnica anagramática faz parte dos procedimentos cabalísticos empregados no desvelamento de significados secretos nos livros sagrados.

É um recurso mágico.

Poucos dias após a conclusão do poema, final de 2006, foi alcançada uma grande vitória na luta dos índios, que tiveram suas terras devolvidas.

§§§

ACEILOPTU : EUCALIPTO

ali lá cá acolá
pocou pipocou o pito
ecoou a lacuaca
e o catupê total

a patota apta atua
apupa apita pia
acua cutuca ataca

o capeta o capital
a patota capetal
leal ao ioiô capeta:
a alcateia patola
a patuleia pateta
aia cética patau
e a elite aética
culta puta e lalau

ataca o culto leal
ao capeta ao capital

e o coetá letal
e o pau apocalipto

apupa a patetice
a tolice a apatia

apela ao tapuial
apela ao caetê:

ó paca tatu cutia
ó cutia tatu paca

ecoai a lacuaca
alteai o tititi
apoiai o catupê

atacai o culto leal
ao capeta ao capital
e o coetá letal
e o pau apocalipto

#

o capeta o capital
a patota capetal
tapeia ata coopta
alicia e policia
a patuleia patau

a laia lacaia e laica
aia poaia opaca
pita o ópio potocal

e acata acoita aceita
peia peita e potoca
e acoita aceita acata

a ala áulica e louca
a patota capetal
a alcateia leal
ao capeta ao capital

#

a patota apta atua
apupa, apita e pia
ataca a laia lacaia
luta pela utopia

ai capeta ai capital
ai patota capetal
cala a tua potoca
caia tua lei caótica
caia tua ética louca
caia o teu caô político
caia o coetá letal
caia o pau apocalipto

#

e a patota catita
cutia paca tatu
tapeti teiú cuati
cuatá e caitetu
apoia a luta épica
pela utopia tupi

ataca o culto leal
ao capeta ao capital
e o coetá letal
e o pau apocalipto

ecoa a lacuaca
alteia o tititi
catapulta o catupê
o auê apocalíptico

até ao ioiô capeta
ao capitólio político
e à elite aética
e à patota capetal

a patota apta atua
apupa apita pia

ulula ulula ulula
e o capeta capitula